24.2.10

Das partes

Como eu prometi aqui uma vez, vou falar um pouquinho sobre "as partes" de um processo.

Desde que decidi escrever sobre elas eu as observo atentamente sempre que vou ao forum. Esse se tornou um dos meus passatempos favoritos, já que decidi que não seria boa ideia levar o jogo imagem e ação (alguns cartorários poderiam entender como provocação e começar uma retaliação nem tão velada assim). Enfim, vamos a elas, às partes (apenas as já catalogadas):

1. A parte paciente: aqui o termo "paciente" não se refere, nem de longe, à paciência, e sim ao estado psicológico do ser. Explico: a figura chega no escritório e não conta APENAS sobre o seu caso, mas sobre TUDO ao redor dele. Pode ser o caso mais simples, a devolução de um equipamento quebrado para a loja, por exemplo, mas o cliente sente que é interessante te contar toda a história da compra do produto. "Comprou um novo porque o antigo o cachorro lambeu, o neto comeu... E o neto é fruto do casamento de sua filha com um rapaz nem tão bacana assim que, de início, achavam até que era bandido... E a família do bandido, digo, do genro, se tornou evangélica depois que uma febre acometeu um parente distante...". E por aí vai... Aí o advogado precisa ser paciente e, neste caso, referindo-se à paciência mesmo (de Jó!).

2. A parte palpiteira: é aquela velha história: "de médico e louco, todo mundo tem um pouco". Agora, substitua a profissão! Você está discutindo com seu cliente temas relevantes para o processo, colhendo o máximo de informações necessárias para dar um show na petição inicial. Ótimo profissional que é, sua mente já está vagando por diversas legislações, doutrinas e jurisprudências quando, de repente, a parte resolve te dar conselhos jurídicos. E esses conselhos passam do "óbvio ululante" às "aberrações jurídicas criadas por mentes doentias", as quais falaremos em outra oportunidade.

3. A parte fuça-fuça: essa é tão clássica quanto irritante. A figura baixa no forum toda semana pra olhar o processo. Não por falta de confiança no advogado, acredito que seja mesmo por prazer de estar lá toda semana e ver que nada mudou. Isso faz com que ela ligue toda semana no seu escritório pra avisar que o processo está parado (ah vá!) e, pior, "a moça lá " disse que a culpa é sua (pobre advogado (a)).

4. A parte que tudo sabe: geralmente uma evolução da parte fuça-fuça, essa espécie leu e mexeu tantas vezes no processo, aporrinhou tantas vezes o funcionário do cartório (e o pobre advogado) em busca de informações, que o conhece "de cabo à rabo" o processo e a matéria deste. É comum encontrar esse tipo no balcão do forum dando informações às partes que ainda estão no estágio fuça-fuça.

5. A parte que acredita: é aquele que ainda acredita, com todas as forças, que a justiça tarda mas não falha. Geralmente é a parte que dá menos trabalho para o advogado, pois sabe que o processo pode demorar horrores mas que, no final, a justiça será feita, portanto espera tranquilo o trâmite. Essa parte só cria problemas quando a justiça não é feita da forma esperada, ou seja, "puxando a sardinha" para o lado dele. Nesse rol cabe uma figura que encontrei no forum de Campinas esses dias e que eu não posso deixar de citar, pois até esqueci o que estava fazendo para observá-lo: Quase 2 metros de altura, calças curtas e blusa de moleton em pleno verão de quase 40 graus na sombra, ele discutia com a funcionária do cartório porque queria marcar uma audiência urgente com o juiz, pois estava de mudança para Minas Gerais e não poderia esperar. A funcionária, por sua vez, tentava explicar que não funcionava assim e que, diante das alegações do advogado dele, os autos iriam para o juiz que, por sua vez, abriria o prazo para a outra parte se manifestar (estou tentando ser o mais sucinta possível). A pergunta dele: Qual o prazo que o juiz vai dar? Ela: provavelmente 10 dias.
Ele: então volto daqui 10 dias.
Ela: Não, ainda vai para o juiz, ele vai abrir o prazo, publicar e só então começará a correr o prazo...
Ele: 15 dias então?
Ela, perdendo a paciência: Um pouco mais...
Ele: ah, 20, é o suficiente!
Ela, irritadíssima: Ok. Volte daqui 20 dias (certeza que ela vai estar de férias nesse período, certeza!).
Ele saca o celular do bolso e liga para o advogado dele: Tudo resolvido, doutor. Vou falar com o juiz daqui 20 dias...
Sabemos que isso não vai acontecer, mas ele é uma parte que acredita (e que é um grande problema pro advogado dele que provavelmente teve que explicar depois que a coisa não é bem assim como ele pensa, mas isso é um problema do caro colega...).

6. A parte que não acredita: não acredita em nada, nem na justiça, nem juiz e muito menos no advogado (que "é tudo picareta", segundo ela), mas como ela não vê outra solução para seu problema corre para o escritório do pobre e conta sua história com um certo ar de desdém. Fofura!



Como diria o professor Raimundo: "E o salário, ó!"





Aguardem próximos posts sobre novas espécies catalogadas, tão logo elas apareçam.

2 comentários:

M. disse...

Eu sou a parte que acredita, mas fuça fuça e se decepciona.

Bia disse...

A parte que se decepciona ainda não foi catalogada, em parte porque existem os advogados que se decepcionam mais, mas que não são partes... enfim, é um ornitorrinco jurídico!